Resenha da HQ O Cabra

resenha o cabra

O Cabra é uma HQ escrita e desenhada por Flávio Luiz, e com cores de Artur Fujita. Ela conta a história de Severino, vulgo O Cabra, um cangaceiro fora da lei cujo bando foi dizimado no dia do seu próprio  casamento. Nessa trajetória de aventura e traição, Severino enfrenta aqueles que o traíram e terá que se deparar com a verdade que por tanto tempo não conseguiu enxergar.

A HQ se passa em um futuro incerto e pós-apocalíptico. A Terra é um planeta quase desértico onde a água potável tornou-se ainda mais preciosa e é privilégio de poucos. Nesse ambiente inóspito, a genética evoluiu para clonagens e hibridizações entre as espécies, tornando comum a presença de clones e seres antropomórficos. Trata-se de uma aventura nordestina futurista, misturando ficção científica, cordel, mangá e faroeste, e que ainda traz violência e uma surpreendente história de amor.

Com essa proposta O Cabra dá um passo à frente no quadrinho brasileiro ao incorporar elementos do quadrinho mundial de aventura, com informações e referências de formas populares de nossa cultura. Essa mistura de ficção científica e realidade nacional inovou e foi bem conduzida, não é a toa que venceu o Troféu HQ Mix de 2011 na categoria Publicação Independente de Autor.

A arte também conquista  pelas variações de ângulos e pelo estilo próximo ao cartum. As expressões criadas para o vocabulário dos personagens dão um humor e um sabor peculiar a esse quadrinho, que contrastam com as cenas mais cruas e sanguinárias, afinal o Cabra gosta de matar suas vítimas arrancando suas cabeças com uma peixeira.

Mas o grande destaque da publicação vai mesmo para o seu formato gigante (25 x 38 cm). Ele impressiona e faz um resgate das extintas páginas dominicais dos jornais, onde os quadrinhos se desenvolveram e tornaram-se populares.

Assim, o interessante é que mesmo fazendo uma obra com características universais próprias aos quadrinhos de aventura e ficção científica(como o ambiente, a presença da tecnologia e de assuntos como clonagem e a distopia) o autor inova pelo sincretismo desses elementos com temáticas nacionais. São inseridos assuntos regionais como a seca e o ainda presente coronelismo e a cumplicidade da religião perante problemas sociais. E tudo muito bem escrito, desenhado, pintado e editado.

O Cabra pagina

O Cabra

Avaliação enquadradinhos: bom

Autor: Flávio Luiz

Cores: Artur Fujita

Editora: Papel A2

56 páginas

Preço: R$ 30,00 em livrarias e R$25,00 diretamente com o autor e em eventos

Mafalda comemora 50 anos

aniversário mafalda

Mafalda é uma garotinha argentina cheia de questionamentos sobre a vida e a sociedade.Suas histórias comovem crianças e adultos há décadas e suas aventuras já foram traduzidas para cerca de 30 línguas. Em 2014 as tirinhas da  personagem mais anticonformista dos quadrinhos completam 50 anos, continuando muito atuais.

Mafalda se tornou extremamente popular na década de 1970, ao aparecer nas tirinhas do cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, apelidado de Quino. O dia de sua primeira publicação foi 29 de setembro de 1964, na revista Primera Plana. Para Quino essa é a data que deve ser considerada como o nascimento de Mafalda como personagem de tirinhas.

Foi em 1965, quando os quadrinhos com a personagem passaram a ser estampados diariamente no Mundo de Buenos Aires, que sua fama foi alcançada. A menina de seis anos de idade, dona de comentários ácidos, que odiava a guerra, a injustiça e, principalmente, as convenções sem sentido dos adultos, logo fez sucesso por levantar questões pertinentes a sua época.

Mesmo após o jornal falir, em 1967, as tirinhas continuaram em alta. Durante nove anos Quino manteve as publicações, que passaram por vários jornais. Foi em 1973 que o cartunista  percebeu que não poderia usar Mafalda para comentar os assuntos mais recentes e criar coisas novas,  optando por parar de publicá-las.

Mafalda nasceu numa época conturbada, de golpes militares na América Latina e da Guerra do Vietnã. É incrível como 50 anos depois seus temas e contestações não perderam a atualidade, podendo ser usados para pensar os problemas contemporâneos.

Hoje Mafalda continua conquistando pessoas no mundo todo com sua crítica e humor. A menina de cabelos negros, vestido vermelho e fita no cabelo, ao lado de seus amigos Manelito, Filipe, Susanita, Miguelito, Liberdade e uma tartaruga chamada Burocracia cativa um público de diferentes idades e classes sociais.

As homenagens pelo seu 50º aniversário já começaram na Argentina, com a exposição “El Mundo Según Mafalda” (“O Mundo segundo Mafalda”, em livre tradução do espanhol). Ela traz reconstruções de cenas dos quadrinhos desenhados por Quino, além de estátuas dos personagens, jogos, músicas e muitas outras peças interativas. Após passar também por México, Chile e Costa Rica, a mostra está programada para chegar a São Paulo em dezembro deste ano.

mafalda no banco

Resenha da HQ Fagin, O Judeu

capa fagin

No penúltimo livro de Will Eisner, a história de Oliver Twist, romance de Charles Dickens, é recontada sob a perspectiva do judeu Fagin. Trata-se de uma obra polêmica e engajada, na qual um dos maiores quadrinistas de todos os tempos confronta o anti-semitismo em um misto de crítica social e literária.

No livro de Dickens, Fagin é retratado a partir do estereótipo do judeu mesquinho e avarento, que ensina crianças inglesas abandonadas nas ruas a viverem de pequenos furtos. Na visão de Eisner, este tipo de obra contribui muito para um tratamento depreciativo dos judeus, e teria reforçado sua imagem negativa e preconceituosa  na cultura moderna. Embora não seja considerada uma das melhores obras de Eisner, esta pessoalmente é uma das minhas HQs favoritas, em virtude de sua proposta criativa e militante. O interessante é que a história não é uma mera adaptação de Oliver Twist, mas sim um diálogo com esta obra, propondo de fato um novo ponto de vista a respeito dela.

Foi essa a percepção que guiou Will Eisner em Fagin, o Judeu. A obra é um acerto de contas não apenas com Fagin, mas com todos os personagens que representaram a visão anti-semitista na literatura. Na história, Eisner dá foco às condições miseráveis dos judeus imigrantes na Inglaterra do século XIX. Na época, os judeus  asquenazitas vindos da Europa Centro Oriental tinham de enfrentar as ruas de Londres às voltas com a miséria e o preconceito. Desse modo, esses indivíduos meramente subsistiam diante de uma sociedade que não os aceitava.

Fagin não era uma exceção. Sua vida é trágica e cruel, repleta de injustiças e sofrimento. Para sobreviver ele teve de transitar em muitos momentos pela criminalidade. É fácil, durante a leitura, julgar um ato de Fagin e, logo em seguida, nos questionarmos se, diante do contexto, ele tinha alguma outra opção.

A história começa na infância de Fagin, quando ele narra, para o próprio Dickens, sua trajetória de luta pela sobrevivência nos subúrbios de Londres. Com o assassinato de seu pai, teve que roubar alimentos e remédios para sustentar a mãe. Pouco depois, porém, ela morre e um rabino lhe arranja um emprego na casa de um rico sefardita (judeu de ascendência ibérica),  o Sr. Eleazar Salomão. Por um momento, sua vida parece promissora, mas um deslize – um caso amoroso com a filha de um dos sócios do Sr. Salomão – e alguns mal entendidos lhe jogam novamente nas ruas.

De volta ao crime, acaba sendo preso e condenado ao degredo nas colônias, fadado a um destino de frustração, humilhação e a precariedade. De volta a Inglaterra associa-se a um criminoso inglês chamado Sikes, continuando na marginalidade.

Fagin, o judeu  é um verdadeiro panorama das agruras e sucessos dos imigrantes judeus na Inglaterra do século XIX. Além de seu inigualável talento para narrar histórias em quadrinhos, Eisner expõe seu ponto de vista sobre a questão, no prefácio e no posfácio do livro. O livro ainda traz reproduções de charges de famosos ilustradores do século XIX, selecionadas pelo autor, o que o deixa ainda mais rico.

página fagin

Fagin, O judeu

Avaliação enquadradinhos: ótimo

Autor: Will Eisner

Tradutor: André Conti

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 120

Preço: R$ 38,00

Resenha da HQ Habibi

Habibi_capa

Habibi, mais uma obra prima de Craig Thompson , pode ser considerada o trabalho mais audacioso deste autor. Esta história maravilhosa e cativante nos traz uma fábula sobre o Oriente rica e sensível, desmontada e remontada constantemente em um relicário de outras histórias. Entre pesquisas sobre o mundo árabe, Thompson levou nada menos do que sete anos para completar o livro, o que é mais do que justificado pelo enredo e arte expostos em suas belíssimas 672 páginas.

Esta premiada graphic novel conta a saga de dois escravos fugitivos, unidos e separados pelo destino, vivendo no limite que separa a tradição da descoberta.  Dodola, uma garota independente e perspicaz que é vendida como escrava aos 9 anos, torna-se com tão pouca idade responsável por um bebê que encontra no mercado de pessoas, o então pequeno Zam. Juntos eles passam a viver no deserto em um navio naufragado na areia.  Em meio a sentimentos cada vez mais conflitantes, eles passam o tempo contando histórias. Assim, somos apresentados também à origem do islamismo e de suas tradições, conforme as narrativas se combinam numa trama de aventura, romance, filosofia e tragédia.

A impossibilidade de permanecerem escondidos os força a sair de seu antro seguro, e a partir daí acompanhamos os laços de amor e carinho entre ambos serem testados pelas suas vidas, que preenche seus caminhos com rumos diferentes, doídos e muito inesperados. É a cumplicidade entre ambos  que os move a construir suas trajetórias na luta pela sobrevivência.

A jornada é ambientada em um país fictício do Oriente Médio, onde são misturados elementos distópicos e fantásticos inspirados em  histórias árabes, como o Corão e as Mil e Uma Noites. Deles é que Thompson colheu o  estilo do livro, recheado da caligrafia árabe e narrativas sagradas, que  são mescladas com maestria em um cenário fantasioso, repleto de lendas e histórias, que dão o tom de seu conteúdo histórico, mítico, religioso, filosófico e, sobretudo, humano.

Uma das marcas em suas obras são as belíssimas metáforas casando perfeitamente o seu texto com os desenhos. E aqui a influência da cultura arábica se mescla sem igual, pois os intrincados mosaicos, caligrafia oriental e os belíssimos textos fluem em uma cadência de páginas. Isso é feito sempre com uma relação bem comedida entre o racional e o intangível. Um exemplo é que  Thompson descreve, no decorrer da trama, parte da história simbólica das letras e palavras árabes entrelaçando-as de maneira bela e criativa com o próprio enredo.

De certa forma, a obra é uma reação à xenofobia americana, que se agravou pós atentado 11 de setembro, na tentativa de mostrar ao Ocidente um mundo islâmico que difere dos esteriótipos. A obra é acima de tudo sobre o amor e suas diversas formas de manifestação, sobre os sacrifícios que fazemos por ele, em contrapartida com o que existe de mais podre e cruel nos próprios seres humanos.

Ao mesmo tempo, temas delicados também não são evitados. A culpa e vergonha relativa aos próprios instintos e fantasias, e como esses sentimentos podem levar à dor, mutilação e envelhecimento. Como o sexo e a gravidez afetam não apenas como as pessoas se sentem, mas quem elas são. Temas pesados como estupro, violência e escravidão também são abordados sem comedimento.

Estas são questões que sempre estiveram presentes e que afetam toda a humanidade. Crítica social, questionamentos ecológicos, paralelos entre religião e amor: tudo encontra seu lugar nesta narrativa tão épica quanto particular e  que merece ser lida e relida.

 

 habibi_paginas-446x300

 

Habibi  
Avaliação enquadradinhos: ótimo
Autor:  Craig Thompson
672 páginas
Tradução: Érico Assis
Editora: Quadrinhos na Cia.
Preço: R$ 45,00

1º Encontro Lady’s Comics – “Transgredindo a representação feminina nos Quadrinhos”

lady's Comics

Quadrinhos não são apenas para homens. É isso mesmo, mulheres produzem, leem e escrevem sobre quadrinhos. É isso o que a Lady’s Comics, site que desde 2010 discute e pesquisa a representação das mulheres nos quadrinhos, quer mostrar e debater no 1º Encontro Lady’s Comics – “Transgredindo a representação feminina nos Quadrinhos”, evento que reunirá quadrinistas, estudiosos e público em diversas atividades e discussões.

O objetivo  é transpor o meio online e fazer o primeiro evento a discutir mulheres e quadrinhos no Brasil. Durante esses quatro anos, o site administrado pelas jornalistas Mariamma Fonseca e Samara Horta e pela designer Samanta Coan, realizou um amplo trabalho não só de divulgação de trabalhos autorais como também de pesquisa e divulgação de como as mulheres tem sido representadas no universo da nona arte.

Embora as opiniões sobre essas questões sejam as mais diversas, há um consenso de que o que prepondera é uma forte estereotipação da figura feminina nos quadrinhos. O que se observa é que personagens femininas raramente são as protagonistas das histórias, relegadas a coadjuvantes que geralmente servem aos propósitos amorosos do personagem principal. Sem falar na postura sexualizada e delicada que são atributos qualificadores dessas personagens, então destinadas a esperar de maneira  banal e não raras as vezes fútil que o herói da história, o homem corajoso e destemido, salve o dia.

Esses esteriótipos influem também no mercado editorial, já que reforçam o senso comum de que quadrinhos são feitos de homens para homens. É raro encontrar trabalhos feitos por mulheres que despontem. Muitas vezes, as marcas do gênero acabam por relegar às mulheres o perfil de desenhar coisas fofas e delicadas, o que é um obstáculo para as artistas. Mulheres também gostam de terror e ação, como inclusive pode se observar uma série de trabalhos independentes feitos por mulheres, e que possuem estas temáticas.

Por isso, o encontro pretende reunir quem quer debater as formas de transgredir a representação feminina nos quadrinhos com mesas temáticas, uma exposição, uma oficina de fanzine, intervenções e, principalmente, reflexões e questionamentos sobre o assunto.

O evento já tem data e local: 25 de outubro, no centro de Belo Horizonte. Mas para que ele de fato ocorra, a Lady’s Comics precisa de uma forcinha para angariar com os custos do projeto, que está aberto para financiamento coletivo via Catarse. As recompensas para quem contribuir estão muito boas, entre bottons, cadernos, bolsa, marcadores e posters exclusivos ilustrados por artistas brasileiras que apoiam a causa.

Por enquanto as entradas para o encontro, que fazem parte das recompensas, já estão quase esgotadas. Mas, se a verba para a sua execução for superada, há a possibilidade de existir um segundo dia de atividades. Vale muito a pena apoiar este projeto, já que será o primeiro evento do Brasil que discutirá mulheres e quadrinhos, sendo este de suma importância para registrar a memória de todas aquelas que lutam para transgredir a representação das mulheres neste universo.

A programação do evento e as recompensas para quem contribuir podem ser conferidas pelo site:

http://www.catarse.me/pt/ladyscomics

Para conhecer mais sobre a Lady’s Comics, acesse o site:

http://ladyscomics.com.br/

Resenha da HQ Bordados

Imagem

Bordados é a terceira obra de Marjane Satrapi, lançada em 2010 pela Companhia das Letras. Mais uma vez a autora iraniana surpreende com uma narrativa dinâmica e gostosa, marcada pelo seu peculiar humor ácido e feminismo mordaz

O “bordar” iraniano seria equivalente ao nosso ao nosso “tricotar”, ou fofocar, além de possuir outra acepção importantíssima para as mulheres iranianas. A expressão bordado designa também a cirurgia de reconstituição do hímen, uma decisão pragmática para aquelas que não abrem mão de ter vida sexual antes do casamento mas que são coibidas a corresponder às expectativas moralistas do país.

Assim como em outros livros, Marjane traz histórias das mulheres iranianas de sua família e lembranças de sua  infância. A narrativa se passa nos momentos após os almoços de família na casa da avó de Marjane Satrapi, em Teerã. Eles terminavam sempre da mesma maneira:  enquanto os homens iam fazer a sesta, as mulheres lavavam a louça e se reuniam para tomar chá. Era um momento pelo qual todas esperavam avidamente, já que, longe dos homens, podiam compartilhar seus sentimentos, ambições e frustrações.

Marjane, a mãe, a avó e suas amigas começavam então a contar suas desventuras com os homens, o amor e sua cultura opressiva ao sexo feminino. Entre uma xícara e outra, cada mulher começava a desfiar suas experiências e opiniões pessoais, além de fofocar sobre a vida alheia. É interessante notar que nesse grupo cada mulher tem uma relação distinta com a moral e vivências amorosas bastante variadas, mas que no entanto sempre estão às voltas com o machismo e a tradição.

O traço simples e os textos em letra corrida acentuam a intimidade que a a narrativa promove. A sensação é de se estar participando do chá ao lado dessas mulheres. Constantemente me coloquei no lugar de cada uma delas em suas histórias, e até de de Marjane, que era então apenas uma criança. Entre casamentos azarados, virgindades roubadas, adultérios, frustrações, golpes e autoenganos narrados com bastante ironia, tem-se um misto de riso e tristeza.

Num episódio narrado pela avó, uma mulher entra em pânico antes do casamento porque perdeu a virgindade com o seu verdadeiro amor e tem medo de que o futuro marido descubra o fato justo na noite de núpcias. A avó sugere então que ela leve uma lâmina de barbear para a cama, grite muito durante o sexo e faça um pequeno corte em si mesma para simular o hímen rompido. A mulher aceita as sugestões, mas, na hora H, acaba cortando o testículo do marido. Todas caem na gargalhada porque o sujeito preferiu ficar quieto e casado do que correr o risco de virar piada dos amigos.

Com Bordados, desconstruímos uma série de visões comuns a respeito do Irã, principalmente sobre as mulheres. Ao contrário do que se imagina, muitas iranianas falam abertamente sobre sexo e discutem as tradições, procurando meios de serem livres. Seja por meio de estratégias, traições, cirurgias ou fugas, essas mulheres gritam suas opiniões, mesmo que secretamente e com muita frustração e sofrimento.

Imagem

Bordados

Autora: Marjane Satrapi

Editora: Companhia das Letras

136 páginas

R$ 39,00

 

 

Resenha da HQ O Boxeador

Imagem

O Boxeador conta a história real do pugilista polonês Hertzko Haft, que sobreviveu aos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial. Esta Graphic Novel premiada no Festival de Lyon é baseada na biografia escrita pelo filho de Hertzko, Alan Haft, intitulada Um Dia Eu Contarei Tudo: Uma História de Sobrevivência . A adaptação de Reinhard Kleist para os quadrinhos traz 200 páginas de tirar o fôlego, com a história real de um homem que se endureceu para não cair. 

O cenário  é a Polônia no final dos anos 1930, em plena Segunda Guerra Mundial. Para sobreviver, a família do jovem judeu Hertzko Haft contrabandeava através da fronteira que dividia o país em dois, devido à ocupação alemã. Acidentalmente preso pela SS, Hertzo foi confinado nos campos de concentração nazistas.Ele então se vê obrigado a criar estratégias de sobrevivência para conseguir lidar com os horrores diários promovidos pelo autoritarismo dos nazistas alemães e o sofrimento dos colegas judeus. Conquistando a simpatia de alguns oficiais, logo extravasou toda a sua raiva e frustração nos ringues improvisados dos campos de concentração, construídos para a diversão dos nazistas. Cercado de violência, desumanidade e morte, não lhe restava outra escolha senão vencer.

É interessante observar como o traço de Kleist vai fica mais sujo e grosseiro a cada dia que se passa na história. As expressões faciais e emoções dos personagens vão sendo dissolvidas conforme a luta pela sobrevivência exige das suas capacidades individuais. A realidade de Auscwitz, a fome, as lutas  e mortes exigem de Hertzko que ele endureça sua personalidade. A frieza e calculismo  são mobilizadas também por militares, que muitas vezes não são afeitos à ideologista nazista e também tem de negociar e estabelecer acordos  para sobreviver, nem que este processo envolva traição e corrupção.  De algum modo a Graphic Novel mostra os dois lados do regime nazista, o que dá ainda mais realismo à narrativa.

Com o fim da guerra, “A fera judia”, como Hertzo ficou conhecido, migra para os EUA e luta boxe profissional. Lá ele enfrenta adversários lendários e até chega a lutar com Rocky Marciano. Ainda são várias as passagens que mostram as experiências traumáticas dos campos de concentração, de modo que a narrativa não perde a sua tônica.  Passamos então a entender melhor as motivações de Hertzo e o porquê de toda a sua dureza em um final surpreendente.

O fato de esta ter sido uma história real arrepia. O relato  do dia a dia nos campos de concentração sob o ponto de vista de um boxeador é algo diferente do que eu jamais tinha visto no que se refere a memórias sobre o holocausto. Tanto nos ringues como na vida, este homem realmente teve que sobreviver a todas as provações. E sua visão transparece as angústias e frustrações não apenas dos judeus, mas de todos que de alguma forma se envolveram com o nazismo, inclusive os militares. O fato de Hertzko só ter tornado sua história pública em 2009 revela que um relato sincero e sofrido como este é difícil de ser encarado, até pelas pessoas que o vivenciaram. E Reinhard Kleist transformou estas sofridas memórias em uma graphic novel complexa, tão fascinante como perturbadora.

Imagem

 

O Boxeador
Editora 8inverso
Título original: “Der Boxer”
Autor: Reinhard Kleist
Tradução: Augusto Paim
Preto e branco
17cm X 24cm
200 páginas
R$ 54,00

 

Os Quadrinhos e a Copa

A Copa está chegando e mais uma vez os quadrinhos ganham espaço como mídia ao divulgar informações e opiniões com relação a este grande evento. Agora, o principal evento de futebol do mundo acontece no Brasil, e o que se observa é uma proliferação de charges que tratam do assunto, seja por meio do humor, da crítica ou da retratação de acontecimentos históricos.

Referência no cenário do jornalismo independente, a Agência Pública de Jornalismo Brasileiro publicou  sua primeira experiência de reportagem em formato de quadrinhos. Meninas em Jogo, assinada pela jornalista Andrea Dip e o quadrinista Alexandre de Maio, revela a teia da exploração e do turismo sexual infantil para a Copa do Mundo na cidade de Fortaleza, no Ceará, uma das 12 cidades-sede do mundial. A pauta surgiu em março de 2013 durante uma entrevista com a advogada Magnólia Said, que denunciou o aliciamento de meninas no interior da capital cearense.

A reportagem em quadrinhos é dividida em prólogo e cinco capítulos que trazem as narrativas das diversas fontes consultadas, além da repórter e do quadrinista, que também participam da narrativa. A reportagem  recebeu o prêmio do VII Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, e revela como esta é uma linguagem que traz muitos recursos e tem grande potencial.

Imagem

A história pode ser acessada na íntegra por meio deste link: http://apublica.org/2014/05/hq-meninas-em-jogo/#ancora

Seguindo a onda do jornalismo em quadrinhos, que vem ganhando cada vez mais espaço, três grandes portais de notícias não ficaram de fora e também lançaram séries em quadrinhos sobre futebol aproveitando o ano de Copa do Mundo. O Estadão lançou a série Histórias (do penta) em quadrinhos que narra acontecimentos dos títulos de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. Já o portal UOL lançou uma série que conta a história do craque Josimar, com a sequência Josimar brilha após “bullying” de Telê, Trapaça argentina e Desdém brasileiro. A revista Serafina, da Folha, lançou uma saga em quadrinhos que conta a emocionante trajetória do atacante da seleção brasileira Givanildo Vieira de Souza, comicamente conhecido como Hulk. 

Futebol e quadrinhos sempre andaram muito próximos no Brasil, principalmente no humor gráfico. Brincadeiras com os traços dos jogadores e com os resultados dos jogos e críticas à organização das Copas já foram tema de grandes nomes dos quadrinhos nacionais, tais como Henfil, Ziraldo, Angeli e Chico Caruso.  O material destes artistas é vasto e poderá ser acessado pelo público a partir do dia 1º de junho na exposição Figurões da Copa, que acontecerá no SESC Belenzinho. A exposição é gratuita e ficará em cartaz até 17 de julho.

ImagemImagem