Resenha da HQ Bordados

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Bordados é a terceira obra de Marjane Satrapi, lançada em 2010 pela Companhia das Letras. Mais uma vez a autora iraniana surpreende com uma narrativa dinâmica e gostosa, marcada pelo seu peculiar humor ácido e feminismo mordaz

O “bordar” iraniano seria equivalente ao nosso ao nosso “tricotar”, ou fofocar, além de possuir outra acepção importantíssima para as mulheres iranianas. A expressão bordado designa também a cirurgia de reconstituição do hímen, uma decisão pragmática para aquelas que não abrem mão de ter vida sexual antes do casamento mas que são coibidas a corresponder às expectativas moralistas do país.

Assim como em outros livros, Marjane traz histórias das mulheres iranianas de sua família e lembranças de sua  infância. A narrativa se passa nos momentos após os almoços de família na casa da avó de Marjane Satrapi, em Teerã. Eles terminavam sempre da mesma maneira:  enquanto os homens iam fazer a sesta, as mulheres lavavam a louça e se reuniam para tomar chá. Era um momento pelo qual todas esperavam avidamente, já que, longe dos homens, podiam compartilhar seus sentimentos, ambições e frustrações.

Marjane, a mãe, a avó e suas amigas começavam então a contar suas desventuras com os homens, o amor e sua cultura opressiva ao sexo feminino. Entre uma xícara e outra, cada mulher começava a desfiar suas experiências e opiniões pessoais, além de fofocar sobre a vida alheia. É interessante notar que nesse grupo cada mulher tem uma relação distinta com a moral e vivências amorosas bastante variadas, mas que no entanto sempre estão às voltas com o machismo e a tradição.

O traço simples e os textos em letra corrida acentuam a intimidade que a a narrativa promove. A sensação é de se estar participando do chá ao lado dessas mulheres. Constantemente me coloquei no lugar de cada uma delas em suas histórias, e até de de Marjane, que era então apenas uma criança. Entre casamentos azarados, virgindades roubadas, adultérios, frustrações, golpes e autoenganos narrados com bastante ironia, tem-se um misto de riso e tristeza.

Num episódio narrado pela avó, uma mulher entra em pânico antes do casamento porque perdeu a virgindade com o seu verdadeiro amor e tem medo de que o futuro marido descubra o fato justo na noite de núpcias. A avó sugere então que ela leve uma lâmina de barbear para a cama, grite muito durante o sexo e faça um pequeno corte em si mesma para simular o hímen rompido. A mulher aceita as sugestões, mas, na hora H, acaba cortando o testículo do marido. Todas caem na gargalhada porque o sujeito preferiu ficar quieto e casado do que correr o risco de virar piada dos amigos.

Com Bordados, desconstruímos uma série de visões comuns a respeito do Irã, principalmente sobre as mulheres. Ao contrário do que se imagina, muitas iranianas falam abertamente sobre sexo e discutem as tradições, procurando meios de serem livres. Seja por meio de estratégias, traições, cirurgias ou fugas, essas mulheres gritam suas opiniões, mesmo que secretamente e com muita frustração e sofrimento.

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Bordados

Autora: Marjane Satrapi

Editora: Companhia das Letras

136 páginas

R$ 39,00