Resenha da HQ Fagin, O Judeu

capa fagin

No penúltimo livro de Will Eisner, a história de Oliver Twist, romance de Charles Dickens, é recontada sob a perspectiva do judeu Fagin. Trata-se de uma obra polêmica e engajada, na qual um dos maiores quadrinistas de todos os tempos confronta o anti-semitismo em um misto de crítica social e literária.

No livro de Dickens, Fagin é retratado a partir do estereótipo do judeu mesquinho e avarento, que ensina crianças inglesas abandonadas nas ruas a viverem de pequenos furtos. Na visão de Eisner, este tipo de obra contribui muito para um tratamento depreciativo dos judeus, e teria reforçado sua imagem negativa e preconceituosa  na cultura moderna. Embora não seja considerada uma das melhores obras de Eisner, esta pessoalmente é uma das minhas HQs favoritas, em virtude de sua proposta criativa e militante. O interessante é que a história não é uma mera adaptação de Oliver Twist, mas sim um diálogo com esta obra, propondo de fato um novo ponto de vista a respeito dela.

Foi essa a percepção que guiou Will Eisner em Fagin, o Judeu. A obra é um acerto de contas não apenas com Fagin, mas com todos os personagens que representaram a visão anti-semitista na literatura. Na história, Eisner dá foco às condições miseráveis dos judeus imigrantes na Inglaterra do século XIX. Na época, os judeus  asquenazitas vindos da Europa Centro Oriental tinham de enfrentar as ruas de Londres às voltas com a miséria e o preconceito. Desse modo, esses indivíduos meramente subsistiam diante de uma sociedade que não os aceitava.

Fagin não era uma exceção. Sua vida é trágica e cruel, repleta de injustiças e sofrimento. Para sobreviver ele teve de transitar em muitos momentos pela criminalidade. É fácil, durante a leitura, julgar um ato de Fagin e, logo em seguida, nos questionarmos se, diante do contexto, ele tinha alguma outra opção.

A história começa na infância de Fagin, quando ele narra, para o próprio Dickens, sua trajetória de luta pela sobrevivência nos subúrbios de Londres. Com o assassinato de seu pai, teve que roubar alimentos e remédios para sustentar a mãe. Pouco depois, porém, ela morre e um rabino lhe arranja um emprego na casa de um rico sefardita (judeu de ascendência ibérica),  o Sr. Eleazar Salomão. Por um momento, sua vida parece promissora, mas um deslize – um caso amoroso com a filha de um dos sócios do Sr. Salomão – e alguns mal entendidos lhe jogam novamente nas ruas.

De volta ao crime, acaba sendo preso e condenado ao degredo nas colônias, fadado a um destino de frustração, humilhação e a precariedade. De volta a Inglaterra associa-se a um criminoso inglês chamado Sikes, continuando na marginalidade.

Fagin, o judeu  é um verdadeiro panorama das agruras e sucessos dos imigrantes judeus na Inglaterra do século XIX. Além de seu inigualável talento para narrar histórias em quadrinhos, Eisner expõe seu ponto de vista sobre a questão, no prefácio e no posfácio do livro. O livro ainda traz reproduções de charges de famosos ilustradores do século XIX, selecionadas pelo autor, o que o deixa ainda mais rico.

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Fagin, O judeu

Avaliação enquadradinhos: ótimo

Autor: Will Eisner

Tradutor: André Conti

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 120

Preço: R$ 38,00