Resenha da HQ Avenida Paulista

capa av. paulista

Avenida Paulista, de Luiz Gê, é provavelmente uma das histórias menos lidas e mais aclamadas da história dos quadrinhos brasileiros. Publicada originalmente em 1991 com o nome Fragmentos Completos, HQ foi uma encomenda para a Revista Goodyear, de circulação restrita a clientes, revendedores, distribuidores e outros públicos ligados à empresa. A edição lançada pela Quadrinhos na Cia. em 2011 é, portanto, a primeira vez em que a história chega ao público em geral, agora com o nome Avenida Paulista e revisões do autor.

Mesclando pesquisa histórica e iconográfica e o cenário de delírio e fantasia característico dos trabalhos de Luiz Gê, o álbum narra cem anos de transformações ocorridas na avenida que simboliza como nenhum outro lugar o desenvolvimento acelerado e caótico de São Paulo. A narrativa se inicia com a idealização de um boulevard em estilo europeu pelo engenheiro Joaquim Eugênio de Lima, passando pela construção dos grandes casarões, o início da verticalização da cidade e os ambiciosos projetos urbanísticos que nunca saíram do papel até chegar ao cenário atual de engarrafamentos e grandes arranha-céus envidraçados. Desse modo Gê mostra a evolução da avenida desde uma travessia de bois, passando pela transformação em point da aristocracia paulistana até o atual estágio de centro nervoso do capitalismo financeiro.

Desperta atenção como essa trajetória é contada com um misto de ficção e realidade, de cenários e situações surrealistas. Um dos recursos mais bem empregados para ilustrar a velocidade das transformações se dá no descolamento de alguns personagens no tempo, como se a avenida tivesse vida própria e pudesse mudar toda sua paisagem num atravessar de ruas. Textos intercalados aos quadrinhos vão completando o entendimento do leitor com o pano de fundo histórico e social.

Também é interessante notar como a Av. Paulista nasce a partir do claro objetivo de diferenciação de uma elite recém-formada que ansiava dar sinais claros de seu poderio. Nada mais lógico do que escolher a região mais alta da cidade, isolada das fábricas e dos bairros pobres que sofriam com as enchentes. Tratava-se de um sonho bucólico, quase um oásis encravado na região central de uma cidade que crescia assustadoramente. Isso mostra como o poder financeiro foi responsável direto pela construção da cidade, inclusive ditando que usos as regiões teriam e quais seus significados simbólicos.

E a Paulista é a maior expressão disso, pois representa não apenas a força do capital, mas também suas diferentes fases. Daí a demolição sistemática de regiões inteiras, como foi o caso das mansões e boulevards, que deram lugar a empresas e centros comerciais. Isso nos faz pensar que a história da cidade sempre precisa ser recontada, de acordo com os usos que fazem dela. O capital se modifica rapidamente e isso se reflete na cidade, que deve se adaptar na mesma velocidade. E, assim, a cidade está sempre se refazendo.

página av. paulista

Avenida Paulista

Avaliação enquadradinhos: bom

Autor: Luiz Gê

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 88

Preço: R$ 39,00

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